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Uma das poucas certezas que carrego é que o melhor café é sempre aquele que vem com uma boa conversa

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    Admin
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  • 3 min de leitura




E foi assim que conheci barista — ainda no tempo em que eu não distinguia um café coado de um espresso duplo. Me ofereceu uma xícara com “notas de laranja” e eu, tímido, sorri como quem finge entender o mundo dos sabores complexos. Bebi, e ali começou tudo: o vício em café... e em conselhos.


Era o tipo de pessoa que colocava a xícara na mesa com a mesma calma com que ouvia uma dúvida. Começou me indicando grãos, depois passou a indicar caminhos. Foi o alerta sobre o que eu chamava de namoro, mas como bom barista me dizia, com a sutileza de quem mexe o leite vaporizado com sabedoria, chamou de prisão emocional. "Você não é um coador furado, amigo. Não tem que carregar peso à toa."


Terminamos. Ou melhor, eu terminei. E, como se fosse recompensa, na mesma semana apareceu com um choux de chocolate mentolado que parecia um prêmio — “Pra adoçar a nova fase”, disse, enquanto limpava o bico da máquina de espresso.


O tempo passou, e os cafés vieram com doses crescentes de coragem. Foi lá que discuti se devia ou não aceitar o novo posto na regional. Ouviu em silêncio, girou a colherzinha três vezes no cappuccino e soltou: “Você já aceitou. Só veio aqui pra me contar.” Aceitei. E era verdade: já tinha aceitado antes mesmo da espuma baixar.


Barista foi virando farol. Me ajudou a entender meu gosto por literatura, me convenceu a comprar uma bicicleta, me fez ver que a solidão, às vezes, é companhia. Sabia o nome do meu cachorro e o nome dos meus dilemas. E, como todo farol, eu achava que sempre estaria ali.


Mas não estava.


Cheguei numa segunda nublada e só tinha um bilhete no balcão: “Hoje, outra pessoa cuidará do seu café.” O novo barista era simpático, técnico, fazia desenhos perfeitos com o leite. Mas tudo era sem gosto, sem cor"! O café, o ambiente, até a minha própria fala ficou sem sabor. Continuei indo lá por hábito — ou talvez por esperança de talvez rever. Meses assim.


Até o dia da exposição.


Fui ver uma mostra sobre flores e arbustos nativos da região — convite de um colega do novo setor que veio da capital. E entre cactos e hortênsias, lá estava. Sem sua roupa de barista. Próximo das barracas que vendiam plantas, ao lado de uma orquídea azul. Que saudade!


Fui cumprimentar. Me olhou como quem observa um estranho tentando lembrar de um nome do passado. Fingiu reconhecer, sorriu de canto, e já virava para sair quando perguntei:

— Vai voltar pra cafeteria?

Somente sorriu mais, ainda e respondeu com leveza:

— Não. Agora eu sigo meu caminho. Independente. Sem conduzir ninguém.


Fiquei parado. Senti um calor estranho no rosto, como se tivesse levado um tapa de despedida. Olhei para o lado. Havia um vaso de mármore, pesado, com uma orquídea azul que me lembrava as xícaras de cerâmica rústica que sempre usava.


Peguei o vaso e sem pensar — ou talvez pensando demais — atingi sua cabeça.


A rachadura do vaso não era tão grande quanto a que vi se formar em mim, mas foi suficiente. Ele caiu, imóvel. Sem chance de oferecer um último conselho.


Hoje estou tranquilo. Pela primeira vez, tomei uma decisão sem perguntar antes. Sem sabor, sem essência, mas minha. Apenas minha.


O café agora eu tomo amargo. E em silêncio.

 
 
 

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© 2015 por Arnaldo Martin Szlachta Junior

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