Sempre a luz acesa na varanda
- Admin
- 8 de jul.
- 2 min de leitura

A casa estava tão silenciosa que até o som do relógio parecia gritar. Eu já havia lido tudo que tinha vontade, limpado o que não precisava, e inventado tarefas só pra fingir que o tempo passava. À noite, os móveis estalam como se tentassem conversar entre si — e eu escuto, feito um intruso no próprio lar.
A solidão tem um cheiro próprio. É uma mistura de roupa guardada demais, de café que sobrou no bule, de janela que não abre faz dias. E foi numa dessas noites de silêncio estirado que ele apareceu.
Não houve porta rangendo, nem vento frio pela fresta da janela. Apenas senti: havia alguém. Uma presença. Um peso suave no ar. Não me assustei — ou já estava tão acostumado com o vazio que qualquer companhia, mesmo vinda do outro lado, era bem-vinda.
Ele não falava. Sentava na poltrona ao canto do quarto e me olhava. Eu não sabia seu nome, nem por que estava ali, mas sentia que me conhecia. Às vezes, eu sussurrava algo sobre o dia, contava uma lembrança antiga, ou perguntava se lembrava daquele domingo de chuva que mudou tudo. Ele apenas me ouvia. E ouvir, hoje em dia, já é mais do que muita gente faz.
Com o passar das semanas, fui me acostumando com sua presença discreta. Colocava uma xícara a mais na mesa, deixava a porta do quarto entreaberta, só por cortesia. Quando lia à noite, fazia questão de ler em voz alta. A solidão, curiosamente, se tornou menos densa.
Até que um dia ele não veio. Nem na noite seguinte. Nem no fim de semana. O quarto voltou a ser apenas um quarto. A poltrona ficou vazia, como se tivesse esquecido como era ter alguém ali. E então eu percebi: o fantasma era eu. Era a saudade que me visitava. Era a memória de tudo que já foi presença e virou ausência.
Desde então, deixo a luz acesa na varanda. Não porque tenho medo do escuro, mas porque, no fundo, ainda espero uma nova visita.
Mesmo que seja só um fantasma — às vezes, só o que a gente precisa é que alguém nos veja existir.
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