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O molho de chaves da Irmã Iriema

Hoje fiquei muito triste ao ver na página da professora Solange Batigliana a notícia que a Irmã Iriema, do Colégio Mãe de Deus de Londrina, havia falecido. A morte é sempre um golpe terrível, por mais que existam justificativas racionais como a idade, condições de saúde e até se devemos ou não merecer a vida. Nunca a morte é esperada e no fundo da alma não é aceita, no fundo morrer vai contra qualquer filosofia da natureza humana. Devido aos meus planos para o doutorado, deixei o quadro de professores do Mãe de Deus, na metade do ano passado, confesso que foi uma experiência fantástica trabalhar na mais antiga escola da cidade, uma escola que preserva sua história e por isso, é um prato cheio para qualquer professor de História.


Na primeira semana de trabalho, ainda observando os mínimos detalhes daquele prédio histórico, assustei-me com a irmã que sempre estava andando pelos corredores, tinha baixa estatura, era muito magra e pelo trato e educação me chamava de Senhor - nunca uma pessoa daquela idade havia me chamado de senhor - juro que não sabia como responder, eu questionei o tratamento e com uma voz serena ela me disse que não era pela idade, mas sim, pela profissão linda que eu havia escolhido.


Nas atividades de contraturno da escola, encontrava a Irmã Iriema com diversos afazeres, inclusive de limpeza, cujo hábito era branco e se destoava com o azul marinho, tão comum naqueles corredores... Depois soube que ela insistia em continuar com os afazeres mesmo com aquela idade. Irmã Iriema andava com um grande molho de chaves, várias e barulhentas, muitas vezes sabíamos que estava por perto devido ao som tão peculiar dos passos lentos acompanhado pelo tilintar das chaves.


Uma das últimas vezes que a vi, ela estava conversando com um dos colegas professores de matemática, perguntava muitas coisas, e na sequência, dizia como ensinava quanto professora, confesso que era uma cena interessante, perguntava-me quem era aluno e professor ali, e na verdade, eram ambos aluno e professor. Lembro-me dela falando com os alunos, chamava-os de anjos, talvez Engel no alemão ou qualquer outro idioma. Ela sempre estava nas reuniões, e por menor que fosse nossa atitude, sempre agradecia com um obrigado sincero e humilde. O colégio perde muito mais que uma das mais tradicionais Irmãs, perde Iriema Trevisan, uma mulher que através da religião fazia virtudes tão arcaicas, mas que nos saltavam os olhos.


Em tempos loucos como os atuais, no qual a educação está sendo colocada como uma mera coadjuvante, quando grupos distintos caminham para os extremos e todos acabam com um certo rótulo, irmã Iriema foi um exemplo de humildade, e nos faz refletir sobre nossos rumos. Fica na memória aquele imenso molho de chaves, pra mim o símbolo maior que ela viria, mesmo a passos lentos, e destrancasse todas aqueles portas antigas e pesadas.





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