Arco-íris, purpurina... Mas o que Jesus tem a ver com a parada gay?
Neste domingo, estava chegando de viagem e ainda no aeroporto vi um grupo de pessoas olhando para o celular. Não sei dizer se eram parentes ou só pessoas próximas, mas a indignação era tão nítida que imaginei que poderia ter acontecido alguma tragédia que eu ainda não havia tido informação. Pouco depois, soube que tamanho horror era devido a uma encenação da crucificação da transexual Viviany Beleboni, com os escritos: “Chega de homofobia”.
Ao acessar o Facebook, uma das pessoas compartilhava e defendia uma postagem do deputado federal Marco Feliciano, que, segundo sua orientação religiosa, questionava a afronta da encenação frente aos valores religiosos. Na segunda-feira, soube também que o líder do PSD - o qual legisla na mesma câmara de Feliciano, diga-se de passagem -, Rogério Rosso, do Distrito Federal, apresentou um projeto de lei que pretende transformar em crime hediondo o que o parlamentar chama de “Cristofobia”, ou seja, as manifestações que usam símbolos religiosos.
Está cada vez mais difícil dizer e ser escutado na sociedade atual. Perceba que a internet democratizou o acesso e a publicação de conteúdos, mas a quantidade de informações, opiniões e discursos ideológicos presentes é tão intensa que estamos nos reconstruindo a cada instante. Em meio a esse emaranhado de notícias e bites, a polêmica e o escândalo tornam-se caminhos interessantes para ser notado na rede, e uma encenação é uma alegoria representativa para demonstrar um sentimento, já que uma imagem vale mais que mil palavras - desde que haja mil palavras sensatas para se dizer.
Não é de hoje que alegorias são utilizadas. Vamos fazer um exercício?
Primeiramente, não vamos pensar a crucificação como uma representação cristã, mas como uma prática de humilhação, sofrimento e de morte, na qual o condenado deveria carregar uma barra horizontal até onde estava a parte vertical enterrada. A pessoa era então pregada de braços abertos pelos pulsos e nos pés, morria de exaustão, desidratação, asfixia e parada cardíaca. Tal prática cruel surgiu certamente na Pérsia, por volta do século VI a.C. , chegou ao ocidente e passou a ser utilizada pelos romanos após a conquista de Cartago. Aposto que, ao ler essas poucas linhas acima, você deve ter tido uma outra perspectiva de uma crucificação, e é exatamente esse ponto que gostaria de trabalhar nesse post.
Em Janeiro, o jornal satírico francês Charlie Hebdo sofreu um violento atentado de um grupo muçulmano após publicações que envolviam a figura de Maomé, sendo proibida qualquer representação gráfica do profeta de Alá. Na ocasião, muitas pessoas destacavam o radicalismo e o fundamentalismo islâmico do fato, mas será que não estamos sendo fundamentalistas (utilizando a mesma lógica do caso Charlie Hebdo), ao tratar essa manifestação como um desrespeito ao cristianismo? Conversando com um colega, professor universitário, estávamos comentando sobre o conceito do poder e capital simbólico em Pierre Bourdieu. Nessa perspectiva, quando tomamos a cruz como um símbolo histórico de sofrimento, o paradigma sobre a encenação da crucificação se altera por completo.
Mas será que não devemos ter respeito pelas religiões? Claro, o respeito é uma peça fundamental de qualquer sociedade democrática. Temos que respeitar os momentos de orações do muçulmano, a prática dentro do terreiro como também o culto cristão, entre outros. Nessa encenação (digo da encenação em si, pois não estava presente no evento) não houve qualquer discurso de ódio e destruição em relação ao cristianismo, e sim a reconstrução da ideia de sofrimento que a comunidade LGBT sofre a cada dia. Será que Deus, na ideia cristã mesma, dá-nos uma cruz que conseguimos carregar? Ou vivemos num estado que se diz democrático, mas não hesitaria em escolher novamente Barrabás para a liberdade em nome da família e bons costumes?
Revisão textual de Fernanda Cassim
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