Guardar as coisas que ninguém vê...
- Admin
- há 6 dias
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Esses dias, enquanto limpava o armário da lavanderia da casa da minha avó, encontrei uma caixa de papelão antiga. Estava amassada, coberta por poeira e por aqueles pequenos sinais do tempo que só aparecem em objetos esquecidos. Dentro dela, havia um mundo inteiro de memórias — um botão solto de um casaco que não existe mais, uma carta sem remetente com cheiro de perfume barato e uma fita cassete com um rótulo escrito à caneta: “Trilha sonora para dias nublados”.
Fiquei algum tempo com a caixa nos joelhos, sentado no chão frio e me perguntando: por que guardamos essas coisas que ninguém vê? Não têm valor de mercado, não decoram prateleiras, não servem de prova para uma biografia bem escrita. Ainda assim, a gente guarda. E às vezes, mesmo sem lembrar, essas coisas seguem lá, esperando o dia em que nosso peito precise reencontrá-las.
A vida parece girar em torno do que é urgente, prático e visível. Precisamos explicar tudo, justificar cada escolha, e mostrar resultados. Mas o que acontece com o que só tem sentido dentro de nós? As lembranças que não cabem numa foto, os silêncios que disseram mais que mil conversas, os sentimentos que ninguém viu nascer? Onde é que a gente guarda isso?
Guardei muitas coisas ao longo dos anos — olhares que duraram segundos, cheiros de lugares que nunca mais voltei, músicas que nunca toquei para ninguém. Carrego tudo isso como um álbum invisível, que só eu consigo abrir. Já tentei mostrar para outras pessoas, em palavras, em gestos, mas elas apenas sorriem e seguem. E tudo bem, porque talvez não seja para entender mesmo. Talvez seja só para guardar.
Há uma beleza em manter o que é delicado escondido do barulho. É como abrigar um passarinho ferido dentro do peito — não para prendê-lo, mas para que possa, um dia, voar de novo. E quando voar, que seja com a leveza de quem foi cuidado sem ser exibido.
Talvez amadurecer não seja tornar-se lógico e eficiente. Talvez seja aprender a respeitar essas pequenas coisas que ninguém vê, mas que seguram a alma da gente quando o mundo todo parece querer desabar. Porque, no fim, não são as medalhas, os diplomas ou os cargos que nos sustentam. São as caixas esquecidas na lavanderia da casa da avó, os bilhetes sem nome, os cheiros guardados e os segredos sussurrados no escuro da memória.
E é por isso que sigo guardando. Guardando o que me tocou. O que me doeu. O que me salvou. Guardando as coisas que ninguém vê… mas que fazem de mim, eu.
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