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A limpeza é invisível aos olhos



Tem dias que a gente acorda decidido em fazer aquela faxina na nossa casa. Quando digo isso muitas pessoas se impressionam... e possivelmente você também se impressionou! Não compreendem sobre peculiar gosto, completam dizendo que deveria pagar alguém para nauseabunda função. Não serei hipócrita, eu pago uma pessoa para me ajudar, mas em alguns dias assumo a árdua função para mim.


Sei que não serei elogiado, de fato pouquíssimas pessoas frequentam minha casa, e mesmo que houvesse alguém que convivesse cotidianamente comigo tal pessoa não teria a obrigação de me elogiar. Antes, quando jovem e morava com meus pais, eu imaginava que fazia faxinas pelos elogios da minha mãe e avó - Quem não gosta de receber um elogio? por mais simples e trivial que seja? - Mas hoje me pergunto por que eu ainda insisto nesse gosto?


Até para a limpeza é preciso inteligência, comecei a espanar as estantes mais altas já que a gravidade fará com que aquela poeira de gerações cairá no chão para depois pacientemente varrer. Em cima do móvel, muito bem escondido a qualquer pessoa de estatura mediana estava uma caixa, a curiosidade rapidamente me fez esquecer do ímpeto de limpeza. Dentro da caixinha branca de papelão toda sujo, havia uma carta, era um papel escolar, e nele havia um desenho bem inocente junto a uma escrita com uma letra grande e redonda facilmente reconhecível, admito que não lembro ao certo as palavras e termos, mas lembro que eram bonitos e com promessas de eternidade que sempre não se cumprem.


A vida é assim, sem intenção acabamos alterando nosso dia com mistura humana de lindas lembranças e amargas decepções. Mas eu não abandonaria meu dia de faxina tão facilmente, passei o lustra móveis nas portas do guarda-roupas, esfreguei os azulejos da cozinhas, ariei as manchas ancestrais das panelas e eliminei as terríveis teias de aranha do teto. Se pudesse transformaria minha casa num museu e viveria na esperança de um reconhecimento de gente apressada e pouca curiosa dos tempos atuais. Tocou a campainha, desci e ali estava quem eu esperava - era uma breve visita - nada de elogio, só a minha percepção da fungada da pessoa... Possivelmente pelo cheiro agradável de detergente e lavanda. Na vida é assim: As vezes cheira-se mais do enxerga-se.


A limpeza é invisível aos olhos, e quem limpa leva consigo um contentamento solitário e particular. Só você mesmo sabe como conduziu o rodinho, o quanto de cabelo estava no ralo do banho, o quanto foi difícil retirar aquela cola do chão da sala, quantas migalhas antigas alimentavam seres microbiológicos em seu sofá, e somado a tudo isso, há as relíquias de lembranças encontradas na empreitada das quais não tem com quem compartilhar... Tudo isso é um segredo reservado.


O que mais me incomoda é que as pessoas se atentam somente quando a casa está bagunçada, como isso é inquisitório e cruel até mesmo para aquela senhora idosa que diz "Não rapara a bagunça não" por mais que a casa dela esteja mais limpa do que a sua jamais esteve. A limpeza é invisível pois revela o quanto somos individualistas e egoístas, e ver a bagunça nada mais é do que nosso julgamento sumário e falta de empatia, enxergar a desorganização é destacar aquilo que tememos em nós em nós mesmos. Nessa breve e corriqueira faxina, é possível enxergar a maturidade, pois não fazemos para agradar alguém, por obrigação ou ganho, e sim, pois trata-se da vontade de melhorar a nós mesmos numa transformação taciturna e necessária.


Se como faxineiro eu pudesse lhe dar um conselho: Não espere reconhecimento, faça aquilo que acha certo por conta própria, há deleites e gozos que são unicamente nossos. Só não seja um egoísta arrogante e reconheça o valor daqueles que sempre fizeram faxinas para você, e não os julgue por que num dia você chegou e viu a casa bagunçada.


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